Quatrocentas palavras. Quatro centos de vocábulos agrupados sob a égide duma frígida fronteira ocular latitudinal. Uma caixa de diálogo retangular, de quatro lados, quatro vértices e duas únicas direções multifacetadas: a de quem lê e a do que é lido. Quatrocentas palavras, rezava a cartilha e eu nem sabia por onde começar. Um “era uma vez”, quem sabe, se o ensejo não reclamasse cerimônias. Não, não era uma vez. Eram quatrocentas, no mínimo quatrocentas vezes. Outras cem atingiriam o ápice, mas quatrocentas era o exigido. Começo com o artigo definido masculino. Como posso, entretanto, começar definindo o mundo se eu nem tenha ideia do que seja, aliás nem sei como começar, menos ainda imagino como vai acabar? Declino. O artigo definido definitivamente é restringido! Devo usar nomes nus. Aliás, nome nu, no singular. Nomes de massa também se fazem presentes e seria indigno olvidar deles! Mas eu não quero falar deles, na verdade. Eles me cansam, cansam minha beleza, me sugam o tempo. Eu tinha que ir. Precisava seguir mas há algo mais forte aqui que me impede. Vou embora!, digo a mim mesmo, ao que me respondo Não posso! Estou esperando ela. Ela nunca vinha, era fato, mas eu me comprometera e deveria esperá-la, aliás, por que não esperá-la? Não tenho mais nada a fazer, mesmo. Por que então não esperar ela? Não é que eu não fosse esperar, mas é que esperar me cansa. E eu não posso me cansar. Eu tenho que enfrentar quatrocentas palavras, agora. Mas quatrocentas são poucas, na verdade. Dizem que conseguimos armazenar quarenta mil. Quatrocentas são, então, dez por cento de quarenta mil. Mas eu não me entregaria às quarenta mil. Quatrocentas já estão de bom tamanho. Pois é. Tentei fugir das quatrocentas, mas não consegui também. Acredito que preciso inscrever a minha covardia não mais com quatrocentas, mas com mil e quinhentas, pelo menos, que é pra ver se eu me curo do trauma. Dizem que isso é possível: curar-se dos traumas através da linguagem. Eu não acredito. Na verdade eu não sei se acredito. Mas eu escrevo. E toda vez que eu escrevo e me livro de algum trauma, parece que começa a chover traumas sob minhas costas. E eles pesam... Prefiro não mexer nos traumas. Posso deixá-los ali no cantinho? De escanteio? Só faltam quinze palavras, agora. Talvez menos, dez, nove, o que eu não queria era falar de solidão.
por MARIANO, R. S.
meu orgulho!
ResponderExcluirSou muito fã do Ruan
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