30 de setembro de 2011

#amorfo



Imagine um quebra-cabeças. Ele é sua vida, mas você é apenas uma das peças. Agora, pegue essa peça que é você, retire do conjunto, molhe, queime no fogo, amasse e tente recolocá-la no mesmo ponto de onde ela saiu. Pensou? Essa sou eu. Hoje, exatamente no dia de hoje, eu decolava junto aos meus sonhos, esperanças e nervosismo, há um ano atrás, para a Alemanha. E você acompanhou aqui de perto muito do que vi e vivi por lá, até o famigerado dia do “adeus”. De volta já há pouco mais de um mês, esperava uma readaptação menos dura do que venho enfrentando. É claro que fiquei feliz ao rever parentes e amigos/as, das risadas compartilhadas, abraços afetuosos, até mesmo pelas lágrimas de saudade. No entanto,  voltar a fazer parte da mesma pintura que já se conhece tão bem parecia-me na ideia menos difícil de realizar do que está sendo na prática.

Compartilho do que sinto com várias conhecidas que já foram e voltaram de intercâmbios ou longas viagens, e todas sentimos o mesmo: a forte presença de uma falta de alegria gerada por constantes novidades. Vou explicar melhor. Quando estamos fora do lugar  onde moramos, seja uma cidade vizinha, praia, campo, país estrangeiro, temos a oportunidade de congelar o tempo, por mais que a ciência diga que não. Saímos, mudamos, conhecemos, nos alegramos com as pequenas novidades diárias que uma rotina nova, seja de passeios ou estudos fora do país, nos proporciona. Porém, quando voltamos, o filme está pausado na mesma cena que deixamos para trás. Os problemas não resolveram-se sozinhos, as pessoas não amadureceram na velocidade que você e muito menos passaram por transformações que só quem muda sofre. E é essa a dificuldade que a tentativa de encaixar-se novamente proporciona. Você não é mais a mesma peça, por mais que deseje desesperadamente ser. E isso não vai mudar, a não ser que sua pecinha de papelão não tenha absorvido nada no novo habitat, e ao voltar continue encaixando-se normalmente.

Belchior uma vez escreveu (e Elis cantou) que “o passado é uma roupa que não cabe mais”. Só que no meu caso o presente é essa roupa e o regime para caber de novo nela é cruel. Por isso rasguei o quadro antigo, quebrei sua moldura e doei as roupas velhas que já não me cabem mais. Estou em frente à uma folha de papel em branco, imaginando o que escrever ou pintar para retratar essa nova história da mesma personagem que agora tenta montar um novo quebra-cabeças para ter onde encaixar sua tão surrada peça.

28 de setembro de 2011.

29 de setembro de 2011

#novo?



Não é dezembro, muito menos janeiro, não é ano novo, nem meu aniversário, mas hoje eu lembrei daquela listinha que a gente faz no começo de todo ano que chega, se enganado, se prometendo, se iludindo que será tudo diferente quando na realidade quase nada muda.
E reler a lista de vez em quando, quem faz? Quem lembra ao longo do ano do que se comprometeu lá no reveillon? A gente se engana que vai finalmente fazer isso ou aquilo, por quê? Pra quem? De que forma uma listinha feita as pressas antes da balada da virada ou da janta em família, se torna realidade?

Arranjar um namorado? Fora da lista. Comprar um carro? Fora da lista. Com o passar dos anos fui sendo mais honesta comigo e diminuindo minha lista de afazeres anual. Até emagrecer aqueles dez malditos quilos a mais eu excluí da coitada. Fui assim me aceitando mais, aceitando mais o acaso e desejando menos o impossível. Quase nada do que acontece em nossas vidas é planejado. A gente até se engaja em fazer acontecer vários dos pontos, como  por exemplo procurar um emprego, mas onde você acaba trabalhando, só o destino sabe. Ou um atleta que coloca como meta ter tais e tais prêmios na estante, para ganhá-los pode demorar anos de muito suor e treinamento.

É tanta atribulação no dia a dia que mal dá tempo de colocar em prática a lista da semana, quiçá do mês. Por isso joguei minha lista de resoluções do ano novo pro alto e bati palma, larguei mão e não me arrependo. Me desapeguei desse ato cultural que tantos fazem pra nada. Porém, tiro meu chapéu com louvor  pra você que leva a cabo a lista, you are the champion!  Ah, e aquela nota de um dólar não fez diferença alguma também dentro da minha carteira, mas essa já é outra história.

Viver o aqui e o agora, sem lista alguma me guiando, é a maior das lições que a vida já me deu. Então, relaxe se você também não consegue colocar em prática aquela listinha que começa quase sempre assim “esse ano eu farei: ...”. Se organizar não significa viver como um cavalo encilhado. E não se iludir mais não significa deixar de sonhar com dias melhores (pra sempre).

12 de setembro de 2011

#não-devia




"Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia.

A gente se acostuma a morar em apartamentos de fundos e a não ter outra vista que não as janelas ao redor. E, porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora. E, porque não olha para fora, logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas. E, porque não abre as cortinas, logo se acostuma a acender mais cedo a luz. E, à medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão.

A gente se acostuma a acordar de manhã sobressaltado porque está na hora. A tomar o café correndo porque está atrasado. A ler o jornal no ônibus porque não pode perder o tempo da viagem. A comer sanduíche porque não dá para almoçar. A sair do trabalho porque já é noite. A cochilar no ônibus porque está cansado. A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia.
A gente se acostuma a abrir o jornal e a ler sobre a guerra. E, aceitando a guerra, aceita os mortos e que haja números para os mortos. E, aceitando os números, aceita não acreditar nas negociações de paz. E, não acreditando nas negociações de paz, aceita ler todo dia da guerra, dos números, da longa duração.

A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso ir. A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta. A ser ignorado quando precisava tanto ser visto.
A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o de que necessita. E a lutar para ganhar o dinheiro com que pagar. E a ganhar menos do que precisa. E a fazer fila para pagar. E a pagar mais do que as coisas valem. E a saber que cada vez pagar mais. E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com que pagar nas filas em que se cobra.
A gente se acostuma a andar na rua e ver cartazes. A abrir as revistas e ver anúncios. A ligar a televisão e assistir a comerciais. A ir ao cinema e engolir publicidade. A ser instigado, conduzido, desnorteado, lançado na infindável catarata dos produtos.

A gente se acostuma à poluição. Às salas fechadas de ar condicionado e cheiro de cigarro. À luz artificial de ligeiro tremor. Ao choque que os olhos levam na luz natural. Às bactérias da água potável. À contaminação da água do mar. À lenta morte dos rios. Se acostuma a não ouvir passarinho, a não ter galo de madrugada, a temer a hidrofobia dos cães, a não colher fruta no pé, a não ter sequer uma planta.

A gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer. Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá. Se o cinema está cheio, a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço. Se a praia está contaminada, a gente molha só os pés e sua no resto do corpo. Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana. E se no fim de semana não há muito o que fazer a gente vai dormir cedo e ainda fica satisfeito porque tem sempre sono atrasado.

A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele. Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se de faca e baioneta, para poupar o peito. A gente se acostuma para poupar a vida. Que aos poucos se gasta, e que, gasta de tanto acostumar, se perde de si mesma."

Marina Colasanti

#dia-dê

(texto publicado originalmente no blog da Camila Paier, no "dia do sexo")

As unhas arranhando as costas lentamente por baixo da camiseta. As fibras das calças se estranhando. – Apaga a luz, vai. O clima perfeito, só faltava uma musiquinha... Pronto, não falta mais. Ele colocou Adele e você suspira. A pele arrepiada, aquele frio na barriga. As mãos se encontram, as bocas secam. Até seu transpirar é outro. O amor acontece. Ou aquele sexo selvagem que não deixa nada a desejar. Dormir ali ou ir pra casa? Será que eu me levanto e vou embora? E a maquiagem no dia seguinte? Esqueça, vai acordar parecendo uma panda em extinção, mas vai continuar linda. É hora de celebrar. A mágica aconteceu.

No dia novo que chega você se pega de repente cantando, sorrindo sozinha, parecendo mais uma louca na rua. A face não mente. Apaixonados ou não, aqueles que foram dormir após um belo (e literalmente) ato são reconhecíveis ao longe. Geralmente são aquelas pessoas que sorriem do nada. E nada poderá deixá-los estressados hoje. Trânsito parado? Bobagem. Gente barulhenta no trabalho? Besteira.  Uma bela e ardente noite de paixão tem esse poder sobre as pessoas. Será então que está faltando mais sexo (de boa qualidade) para o bem da humanidade? Não que todos necessitem dele. Há quem viva sem, é feliz assim e nem teve que fazer voto de castidade. Há que não viva sem, e o voto desses é que o método contraceptivo funcione sempre.


Seja uma rapidinha ou horas intermináveis que valerão mais que o dia na academia, fazer e falar sobre sexo hoje acarreta bem menos tabus e preconceitos do que há uma ou duas décadas. Mas nem por isso deixou de existir a perseguição em tribos que cortam o hímen da mulher para que esta não tenha prazer, ou os haréns, ou os eunucos, ou os estupros. Quebramos um tabu de cada vez. A cada dia. É preciso estar atenta para não deixar transformarem o seu imaginário em um purgatório. Cada um é dono do seu próprio corpo, e o usa como quiser. Apensar de a dica do “se cuide” continuar valendo. Sexo é bom, é fonte de prazer e não há mais nada de errado em pensar assim. Quando os corpos se unem de maneira armônica , com sentimento e consentimento, o corpo se funde com a alma e você está mais perto do transe do que se estivesse meditando. Mas conheça seu corpo, experimente sozinha sem vergonha alguma, e acima de tudo, respeite seu tempo. O importante não é o que os outros dizem, mas sim, o que você sente (ou está louca pra sentir). E quando o dia D chegar, pela primeira ou enésima vez, aproveite!


P.S.: meninas, só um esclarecimento, hoje não é o dia do sexo oficialmente. Essa ideia foi criada por uma empresa de preservativos em 2008, para brincar com a data 6/9. Mas já que todas estão falando sobre isso hoje, não ficamos de fora do babado! Até porque, dia do sexo, assim como das mães e dos pais, é sempre!

5 de setembro de 2011

#suma

o que é que eu deveria te dizer? boa sorte?
e o meu coração despedaçado como fica? 
não fica.
não sente.
não chora.
ele não é o seu. de pedra, de aço, gelado.
não, eu não vou te desejar sorte, nem felicidades.
eu quero que você morra.


não, não morra. morrer é muito definitivo.
mas suma. suma enquanto refaço e reparo os cacos do que sobrou de mim.

4 de setembro de 2011

#conclusão






Não há mais nada para perder.
Não há mais nada para achar.
Não há nada no mundo
que possa mudar minha mente,
nem me fazer chorar.
Quando se decide partir, 
se decide terminar.
E o que é o fim, se não
um novo começar?


mei

1 de setembro de 2011

#não-vi


Desde que se lançou com cantora, em 2003, Maria Rita caiu nas graças da crítica brasileira e latino-americana por trazer esperança e um novo sopro à indústria fonográfica do continente. Porém, as comparações feitas entre ela e sua mãe, ou ela e outras mulheres mais magras e sensuais, foram uma tormenta no começo da carreira da cantora.

Foi uma criança tímida, como todas as outras, mas podemos tratar com normalidade ter sido gerada por uma das intérpretes de maior talento que o Brasil já teve, ser afilhada de Milton Nascimento e ter um pai com o currículo musical que tem? Estudou por oito anos nos Estados Unidos, exatamente naquela fase da vida em que, nós depois dos 20 sabemos bem como é. A transformação de aborrecente para jovem. Tudo que desejamos nessa faixa etária é a distância da família, galgar nossos próprios passos. Porém mais tarde, entre erros e acertos, olhamos para trás pensando “como eu fui tão infantil?”. Paciência. Faz parte do caminho de muitos, famosos ou não.

Maria Rita Costa Camargo Mariano tem sobrenome, e muitos. Infelizmente ele pesa muitas vezes na busca pelo sucesso profissional, e sem certos contatos, iniciar uma carreira, seja a área que for, pode ser tarefa penosa. Com Maria Rita não seria diferente, caso escolhesse seguir a mesma carreira da mãe. E dentre todas as profissões no mundo, foi justamente ao chamado artístico que ela atendeu. Nas palavras da mesma: “Sempre quis cantar. Mas a questão não era querer. Era por quê. Não gosto de fazer nada sem ter um porquê. Fica mais fácil quando você tem um objetivo, uma meta. O motivo passou a existir quando percebi que ficaria louca se não cantasse”.


Sábado à noite fui ao show da artista acompanhada de bons drink amigos, que aconteceu aqui em Florianópolis. Samba, drama e muita presença em palco, marcaram a noite maravilhosa. Após as duas músicas introdutórias, Maria Rita conversou conosco, o público, agradecendo pela nossa coragem e fé na artista, por terem confiado em ir à um show sem título. “Um show que não é de DVD, de CD, nem cenário tem...” foram as palavras dela. Ela queria ficar livre para passear por canções que à tempos que não apresentava. Djavan, Milton, Rita Lee, Lenine, O Rappa e todos os compositores sambistas fizeram parte do repertório que combinava alegria e dor entre uma música e outra.

Eu praticamente não pisquei por duas horas. Infelizmente não estava em frente ao palco, como adoro ficar, pois existe uma máfia entre as casas noturnas de Floripa que impede uma estudante de classe média sentar entre a elite manezinha que pode dar-se ao luxo de pagar R$200,00 por um ingresso. Mas mesmo assim, como estes ficaram imóveis durante todo o tempo, pude ter uma visão privilegiada do palco, já que estava rente à divisória. Fãs e mais fãs espremidos ao fundo do local do evento, por não poderem pagar. Uma verdadeira lástima.

Sem sobra de dúvidas (sim lindas, é sobra e não sombra como todas fala) Maria Rita destaca-se no cenário musical por mérito próprio. É inevitável compará-la com a mãe, mas creio que até ela tenha consciência de que as semelhanças são muitas e deve entender isto como elogio.
Ela brilha no palco, encanta e envolve, como sabemos que a grande “Pimentinha” também o fazia. Por isso agradeço à Elis por ter deixado uma semente nesse mundo que nos supra a falta que ela tanto faz.

Não vi Elis, mas vi Maria.