31 de outubro de 2011

#drummond



No meio do caminho tinha uma poesia
tinha uma poesia no meio do caminho 
tinha uma poesia 
no meio do caminho tinha uma poesia.

Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão incipientes. 
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma poesia
tinha uma poesia no meio do meu caminho
no meio do meu caminho tinha uma poesia.


Minha pequeníssima homenagem ao mestre dos magos poetas, Carlos D. de Andrade, que hoje faria 109 anos, se vivo. O corpo vai, o texto fica.

27 de outubro de 2011

#24




Outubro, domingo 16 , pela 24ª vez em minha humilde vida foi dia de comemorar mais uma primavera (literalmente). Sempre nessa época do ano eu me afogo e encalho no fundo de meus próprios sentimentos; entre todas as memórias do passado e suas sensações correspondentes; monto uma balança mental entre erros e acertos para medir como resultaram as atitudes por mim tomadas. Mesmo tendo tão pouca idade, se comparada aos meus pais, avós, e tias, sinto que sim, tenho muito já o que ponderar.

Aos 24 anos de idade minha mãe já era minha mãe. Minhas avós já tinham mais de 4 filhos cada. Mozart já tinha composto grande parte de seus sucessos. Dom Pedro I já havia declarado a Independência do Brasil. Machado de Assis já era uma personalidade considerada entre as rodas culturais da sociedade carioca. Pablo Ruiz y Picasso já assinava suas obras com um simples “Picasso”. Frida Kahlo já era casada com Diego Rivera. Clarice Lispector já tinha publicado “Perto do coração selvagem”. Senna já era piloto da Fórumula 1. E eu? O que o eu faço/sou/desenvolvo em plenos 24 anos de idade? Dizem que não devemos nos comparar com ninguém nesse mundo, que cada ser é um indivíduo único e especial. Mas quem acalma os anseios daqueles que não cabem em si e querem transbordar a todo custo?

Não sei se a melancolia que me abate sempre no mês de outubro é causada pelo tão famigerado “inferno astral” ou se dessa vez é ainda reflexo da readaptação aos velhos costumes e lugares (outubro do ano passado eu tinha também acabado de me mudar pra Alemanha). Não paro de pensar se optei pelos caminhos certos, se x era de fato melhor que y. É muita informação, escolha, gente opinando em nossa vida. Aconselhando para o bem ou para o mal; e mal sabem eles as interferências perigosas que causam na vida da gente. Bom seria se eu não me importasse, mas não é o que acontece. Libriana em demasia como sou, sofro das angustias de quem não tem nunca certeza entre as opções que escolhe.

Não sonho em fazer nada grandioso como ganhar um Nobel ou viajar pra lua. Essas sandices já abandonei na infância. Mas temo não viver os sonhos que poderiam sim tornar-se realidade, ou chorar pelo passado esquecendo-se do presente, ou muito planejar o futuro e não colocar em prática nada que me ajude à chegar lá. Isso me dá medo. Viver sem ver a vida passar. Me ocupar com a presença das ausências e nunca por completo ser ou estar. 

20 de outubro de 2011

#diadopoeta



"O poeta é um fingidor
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que lêem o que escreve
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve
Mas só as que ele não têm.
E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
   Que se chama coração."

Autopsicografia, Fernando Pessoa.

18 de outubro de 2011

#mereconheça



Você já ouviu essa música do Frejat, Amor pra recomeçar? O refrão é bonitinho, desses que se decora fácil e se canta junto nos shows: “desejo que você tenha a quem amar / e quando estiver bem cansado / ainda, exista amor pra recomeçar.. pra recomeçar”. O vi pela televisão, cantando no Rock in Rio sábado e acordei hoje com essa música na cabeça. Essa música é uma bela lista de desejos para alguém, que certamente, ele considera muito. Desejar verdadeiramente algo de bom para alguém é um gesto muito nobre. Nem todos são capazes. Especialmente quando se convive com gente que só sabe desejar o mal ao outro e não poupa ninguém ao seu redor, seja na escola, faculdade, ou no trabalho, com comentários recheados de mal agouro. Mas, retomando o refrão, o que é mais difícil: ter amor pra recomeçar ou encontrar alguém para amar?

Ah o recomeço.. seja o de encontrar um novo amor, ou começar com a mesma pessoa uma nova relação quando a antiga estiver desgastada. Recomeçar é assustador. Mas viver como um filhote de cachorro que corre, corre e corre ao redor do próprio rabo é muito pior. Sem novos projetos, planos, ideias, ou atitudes espontâneas, haja amor pra aguentar o tédio da mesmice. Já diria Paulinho Moska “é tudo novo, de novo. Vamos nos jogar onde já caímos.” Sem medos nem rodeios, inventando uma nova versão para a antiga canção.

Já no quesito encontrar um amor, para mim, é tarefa impossível. Primeiro, não é você que o encontra, e sim, é encontrada/o. Aí a probabilidade de ser encontrada por um alguém que te ame nesse mundo com 7 bilhões de habitantes é mínima, e não é que acontece? Contra todas as probabilidades e cálculos da matemática, o amor acontece. E parafraseando Lenine, o amor é “Avassalador, chega sem avisar / Toma de assalto, atropela, vela de incendiar / Arrebatador, vem de qualquer lugar / Chega, nem pede licença, avança sem ponderar”.

Mas amor, de você sei quase nada. E quem é que sabe? Sei que acontece. Que pode ou não durar. Que dói quando acaba. Deixa marcas profundas. E que é bom. E o bom do amor é mais forte e supera tudo (ou quase). Se conhecer alguém que te ame é mais complicado do que se manter com este alguém, eu não sei responder. Mas sem amor (e não falo somente sobre aquele que vem do outro) é impossível viver.

“Amor, meu grande amor, só dure o tempo que mereça / E quando me quiser / Que seja de qualquer maneira / Enquanto me tiver / Que eu seja o último e o primeiro / E quando eu te encontrar, meu grande amor / Me reconheça...”

13 de outubro de 2011

8 de outubro de 2011

#cântico-negro


"Vem por aqui" — dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...
A minha glória é esta:
Criar desumanidades!
Não acompanhar ninguém.
— Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe
Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?

Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...
Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.

Como, pois, sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...

Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tetos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém!
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou,
É uma onda que se alevantou,
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí!



José Régio