29 de maio de 2011

#oPovoDaqui


No último texto eu contei para vocês resumidamente a história da cidade onde vivo. Sobre o passado da Alemanha eu conto em outro momento, não quero também me ater só aos fatos históricos. Então, vamos direto ao assunto de hoje. Os hábitos! Aqueles costumes que nos chocam quando nos mudamos para outro país, ou aqueles que nos fazem sentir vergonha de não pensarmos como os estrangeiros.

Com certeza, o que mais me chocou, e choca ainda quando presencio, apesar de fazer muito sentido, é a maneira como alemães assoam o nariz em qualquer lugar. Gente, eles fazem isso em qualquer lugar MESMO. Na rua, no cinema, na sala de aula,  à mesa enquanto se janta – eu fico toda constangida e eles nada. Ninguém se levanta e vai ao banheiro. Por outro lado, ninguém fica sugando de volta, como se faz no Brasil. Aqui não tem aquela “sinfonia nasal” durante o inverno, em dia de prova. Mas mesmo sabendo que é melhor “por pra fora” do que “pra dentro” eu não consigo me acostumar. Sempre levo um susto quando ouço alguém fazendo. Ainda no plano escatológico, não queira dar uma boa inalada no ar dentro de uma balada. Algumas pessoas aqui simplesmente não usam desodorante. Não usam porque não há necessidade. É frio e, de fato eu reparei, a gente não transpira tanto. Mas quando fazem atividade física, ou dançam em festas, como os locais são sempre mal ventilados e muito fechados, tampe as narinas pois o cheiro é insuportável!



Mas calma, calma, isso não é nada perante ao exemplo de civilidade, educação e cidadania que o povo alemão dá. Claro que quando você fizer alguma coisa errada, no mercado, no banco, ou no ônibus, eles vão falar na sua cara, sem cerimônias. Mas no quesito “bio” é lindo observar a maneira como separam o lixo, bem organizada e higiênica. Toda rua, ou bairro, sem exceção, tem seus Müllcontainers (grandes latões de lixo reciclável e orgânico) e separar o lixo é normal, inerente aos seres daqui, nenhum sacrifício. Do mesmo jeito que não se vê lixo no chão nas ruas, não se vê fora dos latões.

Todos usam capacetes para andar de bicicleta. As crianças usam até joelheiras. Os carros param se um pedestre estiver se aproximando da faixa (que se chama Zebra aqui) sempre. Pisou na rua, eles param. Assim eu quase fui atropelada na Itália. É um hábito daqui mesmo.
A água da torneira a gente pode beber sem medo (mas eu descofiei, claro). Ela é própria para consumo na maioria das regiões do país e a do sul, eu li que é a melhor e mais limpa (mesmo assim tomei um remedinho de vermes pra garantir né?!).

Um sistema genial que eu conheci e faço muito é devolver garrafas plásticas e de vidro ao mercado. Se ganha de 5 a 10 centavos de volta. Com certeza esse hábito  fará falta em minhas compras no Brasil. Sacola plástica aqui se compra no caixa, por isso a maioria das pessoas leva sua bolsa ou muchila mesmo para fazer compras. Falando ainda em mercado, os produtos industrializados são muito mais baratos que as frutas e os legumes, uma vez que estes são em sua maioria importados, mas isso não impede que se coma menos produtos naturais. A maioria das pessoas que eu conheço aqui tem hábitos alimentares bem saudáveis. Mas por mais naturebas que sejam, ninguém resiste à uma Wurst! Eles inventam mil e uma receitas com Wurst. Wurst pra não dizer que é salsicha ou linguiça, é o famoso Salsichão. Mas na verdade tudo é Wurst. Aquela nossa salsicha do cachorro quente, aquela linguiça da nona, todas fazem parte da família Wurst. São de vários tipos, cores e tamanhos. Para todos os gostos. Ah, aqui se come bem mais carne de porco do que bovina, e o peixe fresco é raro, pelo menos no sul.  O que pensamos quando imaginamos um prato de comida, o alemão pensa que é exagero. Ah, e vai batata em tudo, só pra constar.

Toda casa tem sistema de aquecimento do ar e da água, não importa a classe social. Imagine sobreviver ao inverno de menos 15, como foi esse ano, ou menos 30, como já se registrou aqui, sem isso? Já ventilador até agora não vi em lugar nenhum. Tenho medo de quando o verão chegar.
E para encerrar a participação de hoje com chave de ouro, ela, a menina dos olhos desse país, a cerveja! Ah o alemão gosta de uma cervejinha bem gelada, nada de quente não, como as pessoas inventaram um dia e a gente acreditou. O produto mais consumido, mais adorado e reverenciado. Acho até que vou deixar pra falar da cerveja outro dia. A relação é de longa data e as festas em adoração à esse produto são muitas. E como eles bebem, minha gente, como se bebe cerveja aqui.

E isso tudo é apenas uma parcela do que vivo e vejo aqui.

Abraços :)

(texto publicado originalmente no blog da @camilapaier)

27 de maio de 2011

#oLivroDoAmor


O livro do amor é longo e chato. Poucos são corajosos o suficiente para lê-lo. As linhas não são retas nem paralelas, a letra precisa de aprimoramento caligráfico, as palavras nem sempre significam o que o escritor queria dizer; o narrador diverge entre primeira-terceira pessoa e onisciente. Mas mesmo assim eu adoro quando você o lê para mim. E você pode ler qualquer coisa dentro dele pra mim.

O livro do amor tem música dentro, podemos ouvi-la quando abrimos a primeira página. A cada história ela vai trocando de faixa automaticamente, sem nunca parar. Músicas alegres, tristes, aquelas que te fazem chorar, tocam em volume ambiente e todas tem o poder de te agradar. Inúmeras são as vezes que deixamos ele aberto só para poder dançar. Até o dia que o livro se fecha, a música para, e ninguém mais o lê. Você se esqueceu que ele foi escrito há muito tempo, e foi publicado especialmente para você, sem nunca ter sido finalizado. Ele já está até amarelando pois você cansou de lê-lo.

Então o livro é novamente retirado da estante. A poeira voa pelo ar, e você abre exatamente na página que deixou para trás, sem precisar de marcador. Relê algumas passagens, sorri discretamente, ouve uma das músicas de sua preferência, até que encontra a sua história favorita. Depois de uma olhada por cima pensa "como eu pude gostar disso?". Pega uma caneta e começa a escrever com o pensamento focado em dar outro final, mas é incapaz de fazê-lo. Ela o cativa novamente. E assim, resolve escrever um novo conto. Olha algumas páginas em branco e torce para que esta seja a história final do único livro que você muda conforme quer, e que pode esperar até a eternidade para ser lido.


(The book of love, do Peter Gabriel, me inspirou)

22 de maio de 2011

#weingarten



Eu ando pelo mundo prestando atenção em cores que eu não sei o nome... ah como é bela a sensibilidade do olhar. Como é triste quem vê sem ver, quem ouve sem ouvir, vive sem viver. É nas ruas estreitas, nos castelos em ruínas, nas igrejas históricas que as emoções vão me convidando à ingressar na viagem ao meu próprio universo e aos universos satélites que ali vou encontrando. Assim resumo meu caminho por esse continente, que está em pleno descobrimento e para mim, com dias contados.

Vocês já sabem que eu moro em Weingarten (“jardim do vinho”) ao sul da Alemanha, onde dizem ser terra de gente alegre e radiante -o sul como um todo é assim pois há mais dias de sol por aqui do que ao norte, acredite, você não sabe a falta que o sol faz até passar dois meses com neve, frio e poucas horas de dia- faltava ainda eu escrever aqui um pouco mais sobre a história deste local, portanto, vamos lá.

Essa cidade tem uma história que se inicia na época medieval. Sua primeira fundação data o ano de 1056. Havia um vinhedo e um mosteiro beneditino aqui. Em 1715 demoliram a igreja que existia e em seu lugar construíram uma das maiores basílicas que há na europa. A basílica foi construída em apenas 9 anos, tempo recorde para uma construção de tal porte. Em estilo barroco, ela guarda em seu altar uma relíquia, um dos três fragmentos do sangue de cristo, que segundo o mito, o soldado que furou cristo na cruz ao anoitecer, para averiguar se este estava realmente morto (mais tarde viria a ser o nosso São Longuinho) teria guardado o sague precioso que escorrera do então falso profeta, pois este sangue o curou de um problema de visão ao entrar em contato com seu olho sem querer. Ele então o enterrou e foi percorrer o mundo como convertido. 800 anos mais tarde a relíquia foi achada e divida em três. Um dos três fragmentos teria sido novamente enterrado, e quando encontrado fora dado de presente à princesa Judite, filha do conde de Flanders, que casou com o príncipe da Bavária. Na época das cruzadas ela prometeu que daria esta relíquia à igreja, caso seu marido voltasse vivo. E assim, a relíquia foi parar na basílica de São Martim, aqui em Weingarten. A cidade foi refundada em 1922, tendo o nome oficial que tem hoje e pertencendo ao estado de Baden-Würrtemberg. 44 dias depois da páscoa é feita anualmente uma procissão carregando a relíquia, há mais de 300 anos! Estou esperando para ver de perto, pois católicos da europa inteira passam por aqui. 

A tradição na europa se diferencia da brasileira em pequenos detalhes, um deles é com certeza  as origens medievais que elas tem. Castelos mais antigos que o Brasil, universidades mais antigas que a nossa independência, isso é fascinente de visitar e conhecer. Bobo daquele que preocupa-se em gastar seu dinheiro unicamente em carros, roupas de marcas famosas e baladas, podendo desfrutar a história viva que está edificada em cada canto do mundo, e não só na europa, minha gente.
Os contos de fadas, de reinos e vassalos, de alguma maneira acredito que aconteceram um dia no passado. Assim foi com a minha cidadezinha aqui. São cerca de 25 mil moradores, é um município normal, um tanto quanto pequeno para os padrões brasileiros, mas na europa há menores. Talvez este seja o segredo para manter a organização e calmaria. Cidades pequenas, cidadãos mais próximos aos governantes. Ou não, tudo são conjecturas.

Uma das rotas do caminho de Santiago de Compostela também passa por aqui. Diariamente vejo turistas de todas as idades, geralmente se parecem alemães, com roupas de caminhadas, muchilinhas e às vezes estão com bicicletas, mas essa já é outra história.
Ficamos assim por hoje, vá conhecer a história da sua cidade, seu bairro,  perceba as cores que te rodeiam e apaixone-se. Depois de ter conhecido Portugal, nunca acreditei tanto naquela máxima de que "o passado nos explica muito sobre os eventos do presente".


Esse texto está também no blog Camila Paier - dá uma olha no link à direita da página aqui...

15 de maio de 2011

#o-fardo-que-carrego


"Ó mar salgado, quanto do teu sal 
são lágrimas de Portugal !
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram !
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar !
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
(...) "  
(Mar português, Fernando Pessoa)


Portugal com certeza foi das minhas viagens até agora a melhor de todas. 
Talvez por termos essa história de mãe e filhos com este país, ou por poder falar minha própria língua e tomar guaraná, ou ter revisto amigos queridos de longa e curta data. Não sei  escolher um motivo, mas eu sei o que senti.
Em Portugal não nos resta dúvidas de como fomos por essa gente colonizados. As feições nos trens, os cheiros nos mercados, as falas altas e gesticulosas, e uma culinária muito particular, parecidíssima com a nossa. Se no passado fomos descobertos, explorados e sugados, hoje o país está afundado em dívidas como nunca antes em sua história, escuta música popular brasileira e vê novela da globo e record.
Bom ou ruim, Portugal é um Brasil dentro da europa. Sua gente, suas casas, sua confusão de sons, somos nós com outros 500 anos de história somados.
Se o motivo no qual fez com que os portugueses naquela época saíssem de suas zonas de conforto para atravessar um oceano misterioso e inexplorado foi puramente comercial, não mais importa. Não há ambição que de conta dessa coragem.

(...)
E mais que uma onda, mais que uma maré...
Tentaram prendê-lo, impor-lhe uma fé...
Mas, vogando à vontade, rompendo a saudade,
vai quem já nada teme, vai o homem do leme...
(...)" 
(Homem do Leme - Xutos e pontapés)

À beira do rio Tejo muito fiquei refletindo sobre aquelas viagens, aquele tempo, como nada do que temos no Brasil estava ainda pronto e sólido  vide aqui. Pensar nisso é um tanto quanto perturbador, mas conhecer o passado faz-nos entender melhor o porquê dessa cultura que temos. 
Se a palavra saudade só existe em uma língua e coincidentemente é a nossa, nesse momento eu tenho com esse substantivo uma relação de dor e gratidão. Dói sentir, mas agradeço por pelo menos poder ter motivos para ser saudosista do presente. Só me resta esperar o dia do regresso: quando voltar para casa da madrasta será tão afetuoso quanto a da mãe.

E eis o fardo que carrego.

3 de maio de 2011

#unchained-melody



O nome do post de hoje é o título daquela música tema principal do  Patrick Swayze  com a Demi Moore em Ghost, lembra? Dos anos noventa?
Então, eu gosto muito dessa música, mas como ela ficou registrada na memória de todos como trilha sonora de uma cena de amor, é difícil desvencilhar a conotação sexual que ela tem em nossas mentes.
Pois eu, relendo a letra após a Páscoa, fiquei pasmada como essa música se encaixa no perfil de alguém cantando a dor de ter perdido um ente para a morte.

Lonely rivers flow to the sea / To the sea / To the open arms of the sea , yeah / Lonely rivers sigh "wait for me" / Wait for me / I'll be coming home/ Wait for me”

Rios solitários correm para o mar / para o mar / Para os braços abertos do mar, yeah/ Rios solitários suspiram "espere por mim" / Espere por mim / Eu vou voltar para casa / Espere por mim " *

Na época da Páscoa, há 15 anos atrás, minha melhor amiga sofreu um acidente de carro. Eu sofri uma perda. Uma brusca mudança na minha vida aconteceu aquele ano.  Havia três pessoas na combe, só ela, após uma semana em coma, faleceu.

Eu queria morrer também. 
Tão pequena e já sentindo tamanha dor.
Meu primeiro e último velório. Não fui nem ver meu avô ser enterrado.
Trauma ou desapego, algum dia entenderei. Assim espero.

Ao ler “A Cabana” (YOUNG, William P., 2008) eu sabia que todas as lágrimas que de mim vazavam feito uma goteira em temporal, eram dedicadas à Rafaela. Só minha mãe sabe o quanto eu rezei naquela maldita semana pós-feriadão, pedindo e implorando pra quem quer que seja o receptor de nossas orações, que intercedesse e salvasse a minha melhor amiga no mundo inteiro.

Eu acho que até hoje eu carrego uma mágoa de criança mimada que não foi  atendida. Uma birra com os céus que não passou.

Muito me perguntei “por quê?”. A gente sempre acha em momentos como esses que é a pessoa que mais está sofrendo entre todos. Temos razão. Entre todos os egos que carregamos dentro de nós, um deles é o que mais sofre, um é o que mais chora, o outro mais ama, mais se emociona. Aliás, nem precisei terminar de escrever para ficar emocionada.

Amor de criança acredito que é puro e sem maldade. Eu perdi naquele outono um grande amor. Mas um dia, quem sabe um barqueiro não vai me levar até ela pelo rio solitário que desagua no mar?! É esperar para ver.


* Tradução livre minha.