14 de junho de 2011

#encarando-as-diferenças

Eu sou do interior, você já sabe disso. Apesar de morar em uma capital de estado, Florianópolis não se compara com grandes cidades do Brasil em termos de diversidades “tribais”, muito menos Jaraguá do Sul (ambas em Santa Catarina). Múltiplos estilos e grupos há, mas nada que choque uma jovem dos anos 2000. Pois bem, vinda de onde venho,  nunca tinha visto uma mulher usando burca antes. Sim, burca, aqueles vestidões que cobrem o corpo inteiro da fêmea, digo fêmea pois só as pessoas do sexo feminino e mulçumanas é que usam. Qual foi então o meu espanto um dia no mercado ao me deparar com duas mulheres de azul e preto em seu manto tradicional? Por mais preparada e despida de preconceitos que eu estivesse, fiquei absolutamente paralizada ao ver de perto caricaturas do mundo árabe que antes me eram apresentadas apenas pelos telejornais. Meu maior contato com o oriente até então fora ter comprado na lojinha de um palestino e só. Nada mais. Por isso a paixão pelo momento que estava passando. Essa cena aconteceu comigo semanas antes do presidente francês declarar estar em vigor a lei aprovada que proíbe as mulheres de usarem  burcas em lugares públicos na França. A Espanha já tinha aprovado lei semelhante. Gelei ao ler a notícia, aguardando o momento em que Angela Merkel apareceria à imprensa alemã para dizer tamanhas asneiras semelhantes. Eu não defendo o uso de burca, nem nunca defendi. Mas não sei mais se sou totalmente contra, e você vai ver porquê.

Semana passada uma colega do Egito explicou na aula de alemão como uma vez na vida um mulçumano tem que conhecer Meca, se este tiver condições de pagar a viagem e gozar de boa saúde. Ela nos contou a história da tradição e o porquê de se fazer o Hajj, nos mostrou seu tapetinho e sua roupa especial quando se ajoelha em direção à Meca para fazer suas orações diárias. Ela não usa lenço na cabeça normalmente, porque disse que não há necessidade, só quando está dentro da casa do seu Senhor, ou quando vai rezar, “é preciso ter respeito quando se abre um canal com os céus”. Ouvindo suas palavras eu fiquei extremamente emocionada e pensei comigo “essas mulheres usam esses lenços por opção, por acreditarem e terem fé.” Quando encontramos uma freira na rua e ela está usando seu hábito não nos questionamos porquê dessa roupa, ou que ela é uma submissa, por que então deveríamos fazer isso ao vermos uma mulher usando burca? Pelo fato de não enxergarmos os seus corpos?

"Terrorismo não tem religião."

Creio que essa questão vai muito além das vestimentas islâmicas, é claramente uma briga para medir forças entre os imigrantes e os governos europeus. Os colonizados que voltam ao país colonizador, ou aqueles que ainda se iludem em buscar na europa melhores condições de vida estão a beira de enfrentar uma cruzada moderna.

Isso me lembra o comentário de uma colega francesa que me deixou chocada esse mês em uma festividade dos estudantes africanos, aqui de Weingarten. Eles cantavam, e agradeciam as cidades e os países de onde vinham e onde viviam. Até que começaram a agradecer a Europa e eu me virei pra ela e comentei “eu não agradeceria a europa se fosse eles, não depois de todo o sofrimento que este continente fez o deles passar.” Ela me respondeu com a maior naturalidade do mundo: “que sofrimento? Se não fosse por nós europeus eles nunca teriam se desenvolvido. Eles tem muito que nos agradecer”. Antes de começar a responder com uma aula de história sobre colonização e escravidão nos séculos passados, eu parei e respirei fundo por um instante. Não adianta radicalizar, cada um cresce ouvindo uma verdade em seu país. Cada escola conta uma história do mundo e assim convivemos com as diferenças culturais, nos respeitando mutuamente. Mas fiquei atônita por ver que existem de fato ainda pessoas que pensam assim, apesar de todo o conhecimento que nos é oferecido e as facildades em se ter acesso à notícias que temos, ainda existem pensamentos como estes, e até piores.

Não precisa morar em uma grande cidade aqui na Alemanha para ver em questão de minutos várias etnias diferentes. Dos países da África, do Oriente Médio, muitos indianos,e os turcos, que são uma grande porcentagem dentro da população alemã. Cada qual com suas características, cada um em seus grupos isolados, o que muito preocupa o governo. A questão da integração e o aprendizado da língua são temas que estão sempre em voga na mídia e nos planos estratégcos governamentais. São temas muito delicados quando abordados. Os países europeus precisam de pessoas, especialmente jovens, uma vez que suas populações estão envelhecendo e as taxas de natalidades não estão colaborando, porém não estão mais sabendo lidar com os imigrantes, que antes não passavam de mão-de-obra barata, agora já estão nas terceiras ou quartas gerações e sem perspectivas de emprego, não se consideram alemães, muitos vivem em comunidades restritas e também não planejam voltar para os países de origem.

Por isso que eu digo, a questão da burca é apenas a pontinha do iceberg. As perguntas sobre como irá se desenrolar essa trama são muitas, e as repostas só aparecerão com o tempo.


(texto publicado no blog da @camilapaier)

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